Estávamos vendo, pela televisão, o carnaval.
-Essas pessoas fantasiadas de travesti apenas merecem sofrer. – Falei ao Márcio.
-Carnaval é isso aí.
-É, e todos eles merecem sofrer, são ridículos.
-Merecem nada. – Retrucou. –É bom.
Bebi a ultima gota da minha dose de conhaque e levantei para pegar a garrafa do Domecq que estava em um local distante.
-Eu só ando bebendo essa merda aí de tanto ver você gostar. – Falou o Márcio.
-Pois é.
Sentei no sofá e deliciei mais um gole do bom Domecq.
-Olha isso, Rios, só as gostosas ai no carnaval. Você queria estar lá, por isso fala mal.
-Queria estar com aquela ruiva ali ó – Apontei –Mas estar no meio dessa merda, acho que não.
-Você é muito viado.
-E você é muito filho da puta. E ainda precisa de uma empregada, essa sua casa fede a tudo.
Alguém bate na porta, mas a surpresa de saber quem era a desgraça foi desmanchada pelos gritinhos que entregaram a identidade do algoz.
-Abre a porta aí pro Alf, Rios. – Ordenou Márcio.
-Eu não. Ele do lado de fora é melhor.
-Deixe de preguiça, abre logo.
-Não. A casa é sua, abre você.
Levantou e convidou o Alf com sua namoradinha para entrar. Uma garota linda, loira, peitinhos durinhos e pequenos. Uma pena a menininha ainda ser debutante. Desequilibra-se e quase cai ao passar pela porta.
-RIOS! GRANDE RIOS! – Grita o Alf. –Quanto tempo meu camarada!! Como vão as coisas? Cadê esse mulheril?!
-Largue de ser barulhento, cadê os hematomas? Conseguiu sair ileso daquela incidente? Que surpresa...
-Claro, dei-lhe dois gritos e o filho da puta se aquietou.
-Ouvi dizer que foi o contrario. – Falei.
-Foi nada.
-Só te digo uma coisa, um grande sábio me falou uma vez: “Fique na sua que ninguém te bole.”
-É, é... é. Pode crer. – Vira pro Márcio – Ei, grandeza, posso usar aqui seu quarto?
-Claro. – Respondeu Márcio.
Os dois amores entraram e trancaram a porta do quarto.
-Andam fazendo minha casa de motel agora, Rios, ta foda isso.
-Pior na minha que fazem de lan-house. – Repondi.
-Pois é.
-Sabe o que seria engraçado?
-Não.
-O pai dessa menina aí chegando com meio mundo de polícia.
-Seria engraçado se parassem de não trazer fêmeas para mim, o dono do estabelecimento, como forma de pagamento ou gratidão.
-É.
-Que menina estranha essa aí em. Viu a cara? - Perguntou Márcio.
-Sim, quinze anos no máximo. – Respondi.
-É, mas você viu a cara da porra?
-Aquilo era cara de Vodka com Coca-cola.
-Nada, era cara de pinga, limão e mel.
-Era nada.
Acendi um Hollywood e aceitei relaxar no humilde sofá.
-Já vi muita coisa estranha nessa vida. – Falei.
-Viu nada, você é muito fudido.
-Teve uma mulher aí que tomava banho com água mineral e outra que confundia largatixa com vaga-lume, e ainda pegava pra tentar fazer de lanterna.
Ouve-se um barulho de pancada vindo do quarto.
-Olha aí a merda, ta espancando a garota. – Falei.
-Puta merda..
Sai do quarto, Alf, de cueca.
-Caralho! Puta que pariu! Deitei a menina na cama, fui tirar a roupa, daí ela caiu de cabeça ali no chão e começou a se tremer! Puta merda, puta que pariu, caralho..
-Calma! – Exclamou Márcio. –É só levar pro hospital.
Arrumaram a garota, puseram no carro e levaram sabe-se lá pra onde. Ainda bem que não foi comigo e nem na minha casa. Bebi o resto que estava no copo, peguei a garrafa e fui embora. No conforto de minha residência, saboreei o ilustre conhaque na calma e boa solidão que só existia em meu quarto.